Por Fernando Canto

Em nenhuma cidade do Norte do Brasil se conhece um bairro, em termos proporcionais, onde a maioria da população seja negra e os elementos formadores de sua comunidade sejam descendentes diretos de escravos, como acontece no bairro do Laguinho, em Macapá. Os negros, originalmente, ocupavam a frente da cidade, próximo ao trapiche municipal e ao estaleiro. Muitos viviam da pesca e do plantio da mandioca, no largo de São José, hoje praça Barão do Rio Branco. E com a transformação do Amapá em Território Federal e a conseqüente instalação do primeiro governo, Macapá foi decretada capital.

A transferência dos negros para a parte norte da cidade não foi um fato enfrentado com passividade por eles; daí naturalmente surgiram alguns núcleos de reação contra a arbitrariedade cometida pelo governo, que retirou os negros da frente da cidade com o objetivo real de preparar o referido local estrategicamente situado às margens do rio Amazonas.

O Laguinho, chamado antes de Poço da Boa Hora, era uma ressaca de águas estagnadas, cercada de buritizeiros, local hoje situado entre as ruas Odilardo Silva e Eliezer Levy. Tratava-se de um lugar temido, misterioso e encantado, moradia de caruanas e iaras, excepcionalmente tétrico à noite e culpado pelo desaparecimento de muitas crianças. O Poço da Boa Hora era temido pelos negros que, mesmo professando a religião católica – ainda que não houvesse padre em Macapá, na época ­– consultavam pajés, catimbozeiros e benzedeiras para espantar os espíritos maléficos que habitavam o lugar.

O Laguinho é palco de muitas manifestações tradicionais, entre elas o Marabaixo mais autêntico, organizado antigamente por mestre Julião, Ladislau e pela saudosa parteira Mãe Luzia. A criação de escolas de samba em Macapá também começou nesse bairro, com a fundação da Universidade de Samba Boêmios do Laguinho.

É interessante lembrar o quanto aquela gente de fala mansa, quase cantante, contribuiu para a formação cultural de Macapá. Hoje, em qualquer botequim do bairro, pode-se ver três ou quatro pessoas reunidas bebendo uma “pura”. Basta ter um atabaque ou um violão por perto para ouvir essa gente cantar os versos do maior compositor do Laguinho, Raimundo Lino: “Laguinho, ô Laguinho / É bairro da tradição / Laguinho mora no meu coração / É ódio dessa gente que não sabe o que faz / Laguinho é o orgulho de nosso carnaval”.

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